quarta-feira, 6 de outubro de 2010

SERÁ POSSÍVEL ENXERGARMOS ALGO SEM O NOTAR?

O Dr. Marvin Chun, professor do Laboratório de Neurociências Cognitivas Visual da Universidade de Yale, dedicou a sua carreira a tentar responder a essa pergunta. Quando o visitei numa cálida tarde de outono, Marvin me convidou a assistir a um vídeo já bastante famoso na área da visão e da atenção. No monitor, pude ver seis adultos parados num estranho jogo, com suas ações congeladas pela tecnologia. Parecia haver dois times – um com uniforme branco, o outro, preto. Cada time tinha uma bola de basquete. Estranhamente, eles não estavam numa quadra, e sim no corredor de um prédio de escritório não identificado. Nos fundos, viam-se claramente as portas de um elevador.

Minha tarefa, quando o vídeo começasse a rodar, seria observar o time branco e contar quantas vezes a bola era passada entre os jogadores – mantendo contagens separadas para as vezes em que a bola era passada de pessoa a pessoa pelo alto ou quicando no chão. A imagem começou a se mover, e eu mantive os olhos grudados na bola do time branco, que era passada em silêncio dentre a massa de corpos brancos e pretos em movimento. Cheguei a contar seis passes pelo alto e um passe quicado, e então perdi a conta. Decidida a não desistir, continuei contanto até que transcorressem os 30 segundos do vídeo.

Onze passes por cima e um passe quicado? – arrisquei. Falei a Marvin que havia ficado um pouco confusa no meio. Apesar disso, eu tinha me saído bastante bem, disse ele. Só não percebera um passe pelo alto. Ele então me perguntou: “Você notou alguma coisa incomum no vídeo?” Além do ambiente incomum para o jogo, não, eu nada vira de extraordinário.

“Você viu um gorila no vídeo?”

“Um gorila?”

Não, certamente eu não tinha visto um gorila.

“Vou lhe mostrar o vídeo outra vez, e agora, sem contar os passes, simplesmente olhe para o jogo”. Ele reiniciou o vídeo. Os times branco e preto voltaram à ação. Depois de transcorridos 18 segundos – mais ou menos no momento em que perdi a concentração –, vi uma pessoa (uma mulher, como descobri depois) vestida de gorila entrar na quadra / escritório pela direita. Ela caminhou com tranqüilidade até o centro da imagem, bateu no peito como um gorila de desenho animado infantil e depois se retirou calmamente pelo lado esquerdo da imagem. Sua ação em frente à câmara durou oito segundos, e eu havia sido inteiramente incapaz de vê-la.

Se você me perguntasse se eu achava que poderia não perceber um gorila – ou mesmo uma mulher vestida de gorila – cruzando a imagem, eu diria que era impossível não notar o evento tão extraordinário. E, ainda assim, foi o que aconteceu. O mesmo ocorre com mais da metade das pessoas a quem Daniel J. Simons apresenta a mesma tarefa em seu laboratório na Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign. Como é possível?

Temos uma fé enorme na capacidade de vermos o que está bem diante dos nossos olhos. Mas, ainda assim, o mundo nos dá milhões de exemplos que contradizem essa idéia. Quantas vezes você não foi incapaz de encontrar um objeto que procurava, e então recrutou a ajuda de outra pessoa, que logo o encontrou, bem na sua frente? Ou teve um encontro embaraçoso com um amigo que se queixou, irritado, por você ter “ignorado” seu aceno na noite anterior, enquanto procurava uma poltrona vazia num cinema lotado? Segundo a Administração Federal de Rodovias dos Estados Unidos, a cada ano ocorrem mais de seis milhões de acidentes de carro no país. Em muitas dessas batidas, os motoristas afirmam que olhavam por onde iam, mas simplesmente não viram o objeto com o qual colidiram – uma demonstração de que as pessoas, com regularidade, deixam de ver o que têm diante dos olhos, o que Sherlock Holmes talvez chamasse de ver sem notar.

Os estudiosos do tema chamam esse fenômeno de “cegueira da desatenção”, porque muitas vezes deixamos de notar um objeto ou evento simplesmente por estarmos preocupados com outra tarefa que demanda muita atenção. Nossa surpresa ao vivenciarmos esse evento tão comum deriva de uma incompreensão básica sobre o funcionamento do cérebro. Em geral, pensamos em nossos olhos como câmaras de cinema que captam tudo o que temos à frente enquanto decidimos onde focalizar a visão a cada momento. Talvez não estejamos prestando atenção em tudo, mas presumimos, em primeiro lugar, que seremos capazes de reconhecer qualquer evento importante que ocorra; segundo, que, se necessário, sempre poderemos retroceder o filme e passá-lo novamente em nossa tela mental. O que deixamos passar na primeira exibição seria percebido quando nos lembrássemos do evento.

Evidentemente, não é assim que funciona. Quando perguntada sobre o gorila no jogo de basquete, eu não tinha lembrança alguma do animal. Chequei minha memória, mas não me lembrei dele, pois não o vi. Minha atenção estava dirigida para outra parte.

Os objetos podem ter certas qualidades que os tornam mais facilmente visíveis. Marvin Chun me conta que, se um homem ou mulher sem roupa houvesse entrado na imagem no lugar do gorila, a probabilidade de que eu houvesse notado a imagem inesperada seria muito maior. Se o gorila estivesse ensanguentado, ou se ele se mexesse ou atuasse como um gorila eu teria maior probabilidade de vê-lo. Isso ocorre porque existem certas imagens fundamentais que a mente reconhece como importantes.

Então, o que está havendo? As informações estão claramente atravessando os olhos e chegando à retina. Uma ressonância magnética funcional – exame que revela quais áreas do cérebro estão funcionando durante alguma atividade específica – mostra que os sinais neurológicos enviam as informações para a parte correta do cérebro – portanto, a imagem definitivamente foi vista. Porém, antes que ela possa chegar à consciência, outra parte do cérebro entra no processo para tentar decidir se essas informações são dignas de atenção. Esse julgamento depende apenas do que estamos procurando.

De fato, na maior parte do tempo, vemos o que queremos ver, o que esperamos ver. Nossa capacidade de ver objetos ou eventos inesperados e diferentes daqueles que estamos procurando é muito limitada.

Voltando ao experimento com os jogadores e o gorila, minha tarefa era seguir os jogadores de uniforme branco e contar quantas vezes eles passavam a bola. A maior parte das pessoas que vê o vídeo não percebe o gorila. No mesmo experimento, as pessoas instruídas a acompanhar os jogadores vestidos de preto viam. Como o gorila também era preto, estava mais próximo daquilo que buscavam, e por isso a imagem conseguiu passar pelo controle do cérebro e ser notada.

O que ocorre com as informações visuais que entram no cérebro mas não atraem a atenção da consciência? Elas ficam armazenadas ali à espera de uma segunda chance, como um detalhe encantador numa reprise dos Simpsons? A maioria dos estudos sugere que não. Se a imagem não capta nossa atenção de início, perde-se para sempre.

Com base em investigações como essa, Marvin e muitos outros pesquisadores da área acreditam hoje que as expectativas do espectador são as principais responsáveis por moldar o que é visto, e que o inesperado quase sempre passará despercebido. Nós nos tornamos melhores observadores quando temos melhores expectativas. Quando recebemos uma tarefa específica – seguir a bola passada entre os jogadores do time branco –, podemos prever quais serão as expectativas e o fato de que os observadores provavelmente não verão o gorila, pois isso não faz parte de seu conjunto de expectativas.


Lisa Sanders
em Todo paciente tem uma história para contar: mistérios médicos e a arte do diagnóstico
Tradução: Diego Alfaro
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2010


Um comentário:

Anônimo disse...

Quando vi esse video a primeira vez, eu consegui ver o macaco!

LIVROS DA ÁREA DE NEUROCIÊNCIA LIDOS EM 2009/2010

* Psicologia da Percepção - R. H. DAY
* Os Sete Pecados da Memória - como a mente esquece e lembra - DANIEL L. SCHACTER
* Mentes Inquietas - TDAH: desatenção, hiperatividade e impulsividade - ANA BEATRIZ BARBOSA SILVA

LIVROS DE LITERATURA LIDOS EM 2009/2010

* Memórias do Subsolo - FIÓDOR DOSTOIÉVSKI

* Oráculos de Maio - ADÉLIA PRADO

* No Caminho de Swann - MARCEL PROUST

* Fantasma Sai de Cena - PHILIP ROTH

* Indignação - PHILIP ROTH

* Caim - SARAMAGO

* Recordações da Casa dos Mortos - FIÓDOR DOSTOIÉVSKI

* O Seminarista - RUBEM FONSECA

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